segunda-feira, 2 de janeiro de 2017

A Analogia do Triângulo

Como a maioria dos textos que publico aqui, este surgiu de uma reflexão qualquer que decidi registrar e compartilhar - não porque acredite que tenha algum valor, mas unicamente porque gastei tempo suficiente com ela para que descartá-la signifique ter desperdiçado tempo demais da minha vida.


Inicialmente, consideremos alguns argumentos que questionam a existência de Deus, tais como o aparente desperdício do Universo, a aparente contradição entre os atributos de Deus e o problema do mal. Esses argumentos me vieram à mente por conta de um vídeo a que assisti em que Alvin Platinga responde a alguns argumentos ateístas. (Alvin Plantinga - Alguns argumentos ateístas contra a existência de Deus)
Eu considerei, em especial, o primeiro problema: do desperdício. Imaginar que há todo um universo infinito, cheio de planetas, estrelas, sistemas etc. e que parece totalmente inabitado com exceção do Planeta Terra pode levar a pensar que, se Deus existe, então Ele foi ineficaz na criação do universo. Logo, parece plausível que Ele não exista. Mas isso não quer dizer que não valha para os outros problemas listados e outros inlistados. Eu apenas considerei este em particular. Haver uma aparente contradição nos atributos de Deus não prova que Deus seja impossível, tampouco a existência do mal.
Acredito que minha abordagem assuma uma postura bastante semelhante à que observei em Platinga.

Segue o meu raciocínio:
O fato é que nem este argumento (do desperdício), nem outro, prova que o que Armand Nicholi chamou de "visão de mundo espiritual" não seja verdadeiro. Portanto, esses argumentos ateístas não garantem que a descrença não seja uma questão espiritual que interfere na postura racional da questão e a condiciona.

"Visão de mundo espiritual" pode ser compreendida como uma cosmovisão não puramente materialista e que considera termos como Deus, Céu, Alma, Imortalidade, Criação, plano divino etc. como possivelmente verdadeiros. Assim, segundo a visão de mundo espiritual, a descrença não é apenas um problema intelectual e sim principalmente espiritual, uma condição existencial.
Segundo essa abordagem, a crença não é âmbito de racionalidade ou irracionalidade. Seria mais apropriado tratar a fé como um namoro ou casamento, por exemplo, como uma questão de relacionamento. Ser solteiro não significa ser mais ou menos intelectual, significa somente um estado de relacionamento. Assim poderíamos entender a descrença como uma condição espiritual de afastamento de Deus e isso, sem dúvidas, interferiria no momento de refletir sobre a questão da existência de Deus.

Alvin Platinga entende que a existência de Deus pode tratar-se de um conhecimento básico e este conhecimento básico só pode existir em uma situação apropriada. Isso responde porque considero que o afastamento de Deus pode descambar em conclusões inapropriadas sobre sua existência. Ou seja, alguém que está em proximidade de Deus pode simplesmente saber que Ele existe. O que quero dizer é que pode ser que uma pessoa simplesmente queira que Deus não exista e, portanto, ao pensar sobre a questão, conclua-a assim. Para uma pessoa assim, qualquer argumento ateu terá um peso persuasivo muito forte (mais forte do que tem logicamente). Acredito que não deva haver qualquer tipo de contestação aqui, uma vez que, se alguém aceita a lógica de Freud de que algumas pessoas querem que Deus exista e, por isso, acreditam em Deus deveria logicamente aceitar, também, seu oposto: algumas pessoas não querem que Deus exista e, por isso, não acreditam que Deus exista; pois não vejo aqui nenhuma questão que faça com que as duas condições devam ser tratadas com distinção.
Uso esta mesma questão como exemplificação do que disse acima (os argumentos são tidos com mais peso do que a lógica lhes fornece). Se as pessoas querem que Deus exista, isso não prova a existência ou inexistência de Deus. Logo, é possível afirmar
(1) Algumas pessoas querem, inconscientemente, que Deus exista. 
(2) Existem pessoas que acreditam que Deus exista.
(3) Portanto é possível que algumas pessoas acreditem que Deus exista porque isso é um desejo inconsciente.
Mas não se pode afirmar
1) Algumas pessoas querem, inconscientemente, que Deus exista. 
(2) Existem pessoas que acreditam que Deus exista.
(3) Portanto Deus não existe. 
Mas perceba que há gente que assume o último como verdadeiro, ou seja, dão mais peso à argumentação do que ela realmente permite pela lógica.

Assim, considerando que a visão de mundo espiritual não está dada como inválida, não há garantias, para um ateu, que seu ateísmo não se trate de uma questão espiritual de afastamento de um Deus real. Para exemplificar isso utilizo o que denominei a analogia do triângulo:

As formas geométricas, símbolos e representações são ideias presentes na mentalidade humana. Exitem, principalmente três razões que nos fazem enxergar um círculo no Sol, um triângulo numa árvore, um quadrilátero numa janela e uma tartaruga na nuvens: a visão, a razão e a bagagem cultural.
A visão porque vemos e então podemos identificar o que vemos com alguma coisa. Se não víssemos ou não tivéssemos outra forma de conhecer a realidade, não poderíamos identificar formas ou símbolos nos objetos da realidade. A razão porque nos faz enxergar mais do que vemos com os olhos, nos faz sobrepor a realidade com ideias. Só porque temos razão podemos conhecer o abstrato, e o mundo, para nós, é uma mistura de abstrato e real. Bagagem cultural porque há uma série de conhecimentos descobertos pela humanidade que nos são transmitidos. Logo, é possível que uma pessoa encontre um desenho no chão, três linhas feitas na terra formando um triângulo, e afirme
(1) Vejo três marcas afundadas na terra: três linhas que se ligam compondo uma forma fechada com três lados.
(2) Portanto há três ângulos.
(3) Portanto vejo um triângulo. 
(é difícil que não seja por bagagem cultural que se identifique que uma forma com três lados possua três ângulos, cuja soma é de 180º internamente)
Porém, não há razões para se acreditar que um cão, por exemplo, enxergasse um triângulo. E caso preenchêssemos a área desse triângulo com carne, provavelmente o cachorro iria perceber a existência de um amontoado de carne, mas não que esse amontoado estaria em forma de um triângulo equilátero, mesmo que possua uma das três razões.
Da mesma forma, poderíamos entender que, de acordo com a visão de mundo espiritual, a crença em Deus é conhecimento básico em condições adequadas e que, a descrença pode ser conclusão fora de circunstâncias adequadas: confiar na inexistência de Deus pode ser reflexo de uma condição espiritual. Assim, concluiríamos que o descrente pode até ver as marcas feitas no chão, mas lhe falta algo que o leve a perceber que essas marcas lembram a forma de um triângulo. Logo, se for mesmo correta a visão de mundo espiritual, de pouco servem os argumentos do ateu, pois são unicamente tentativas de justificação de sua condição espiritual. E lembro, os argumentos acima levantados não provam que a visão de mundo espiritual é falsa e, portanto, é possível que ela seja verdadeira.

Quais seriam as razões por que um ateu estaria em uma condição espiritual de afastamento de Deus? Poderíamos listar o orgulho de não querer se sujeitar à condição humilhante (baseada em um padrão autoidólatra) de um ser menor que Deus, o desejo de participação e aceitação em certos ambientes, a falta de conhecimento apropriado sobre a visão de mundo espiritual, ou mesmo preconceito sobre ela ou um esteriótipo do crente - porque assim como em muitas questões, somos teimosos demais para admitir que assumimos posições equivocadas e, portanto, preferimos manter nossas posições, mesmo que sejam posições anteriores ao contato adequado com o objeto. Mas, acima de tudo, segundo a cosmovisão cristão, é o Pecado que nos afasta do Criador... E o resto você já sabe....

Boa noite!

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