Tribunal
Quem és tu que assim acordas
Com olhar que a mim enfrenta
És mais uma sombra horrível
Um fantasma que atormenta?
Ou serás só mais um sonho
Desses que não vão embora
Quando somem, logo voltam
E quando voltam a gente chora.
Te juro, és o primeiro
Que vejo em forma de gente
Qual possui um outro olhar
E uma expressão bem diferente.
Olhe, pois, para meu rosto
E vá embora num momento.
Ou me leves junto à morte
Porque vivo num tormento.
Quando tenho que enfrentar
As lembranças, não aguento
E nem consigo abandonar
As memórias, juro, eu tento.
Não tenho vida, nem tenho a morte
Estou deixado ao sofrimento
Abandonado à dura sorte
Um Prometeus largado ao vento
Me digas, pois, uma coisa
Quando foi que começaste
A falar com tua sombra
Que num espelho imaginaste?
Desde quando ouves a voz
Dos estranhos que pensas ver?
És tão estranho a ti mesmo
Que temes te conhecer?
Confesso, nunca fui louco
Mas agora estou confuso
Há um tempo sofro um pouco
Atormentado aqui e recluso
Que te dizem estas vozes
Que te atormentam todo tempo
São coisas que viste aí?
Ou coisas que vêm de dentro?
Do que falam vozes tais
Das pessoas que em tua mente
Já mataste feito a animais
Ou das que matas de repente?
Nunca matei ninguém, te juro
Dou minha palavra a ti
E esta arma qual seguro
Não deveria estar aqui
E esse sangue em tuas mãos
Que avermelha quente os dedos
E pinga lento no o chão
Espalhando todos teus medos?
Tua palavra não me parece
Tão confiável, imagino
Que segurança me oferecem
As palavras de um assassino
Não sei mais o que dizer
Pois então não diga nada
Melhor é o silêncio puro
Do que a língua envenenada
Esperes aí, com quem falo?
Não és tu quem tem a faca?
Contudo foges como cavalo
E me olhas feito uma vaca
Não deverias ter acordado
Irias pagar pelo meu crime
Agora morra apunhalado
Te junte às sombras que te oprimem
Só que esquecestes, me incriminando,
Que deixaste-me aqui armado.
Agora morra desconhecido
Foi um prazer falar contigo
Pena que és já falecido
Foi um prazer ser teu amigo.
E quem é este que tu mataste?
Por que a mim inculparias
Por não ter um só amigo
Ou por sofrer já a tantos dias?
Saibas, fui por um momento
Alegre e são, com muito gosto
Com um sorriso de cimento
Edificado sempre no rosto.
Isto foi antes do acidente
Que a levou sem despedida
E apagou toda a beleza
Da minha pobre e triste vida
Oh! Quão bela e jovem, Lúcia,
Eras tu à luz do dia
Agora acordo atormentado
De solidão e de agonia.
Quão lindos eram os teus cantos
Tão doce o som da tua voz
Nenhum casal se amou tão forte
Nem foi mais feliz que nós.
Mas aí, com desespero
Veio a morte a decompor
Nunca cantamos por inteiro
Nossa maior canção de amor.
Saiba, pois, desconhecido
Que já não tenho mais amigos
Vendi o piano, o som e flauta
Que me lembravam dias antigos
Quem eras tu e por que querias
Matar um homem tanto assim
Que lhe perfuraste o peito
Com a arma que deste a mim?
Peço que te acalmes logo
Pois assumirei teu crime
Assim terei na minha vida
Alguma coisa que me anime
Nem que seja pra morrer
Em uma cela cinza e rasa
Pois em nada ela difere
Dessa imunda e escura casa.
Onde o silêncio apaga o canto
E a solidão leva a alegria
Onde a lembrança invoca o pranto
E a sombra apaga a luz do dia.
Tomarei em teu lugar
Uma longa e dura pena
Pois se eu vou morrer sozinho
Que ao menos valha a pena.
Mas este homem que mataste
Era sozinho como eu sou
Ou tinha esposa, já casado?
Será que filhos não deixou?
Saibas, não há nada pior
Do que perder quem mais se ama.
Não dá pra a gente esquecer
E o coração ainda chama
Todos os dias nosso tesouro
E isso corta a nossa alma
Mais afiado é o sofrimento
Que esta faca em tua palma.
Procurei no mesmo dia
Uma mulher aflita já
Para avisar do incidente
Do homem morto em meu sofá
E eis que numa dessas buscas
Bati à porta duma moça
Que me logo abriu a porta
Ah! A esperança que ela esboça
Ainda guardo em minha mente
Porque a vontade de amar
É como a dor que a gente sente
Quando tem que se esperar
E a saudade nos tortura
Sentir saudade a vida inteira
É uma dor que nunca cura.
Boa noite, pobre moça
Eis te trago esta aliança
É do homem que feri
E este é o sangue da matança.
Então te digo, não o esperes
Pois não voltará jamais
Sinto ter que trazer lágrimas
Com essas notícias tais.
Eis que o homem que eu amava
Nunca teve uma só luta
Por que dizes que está morto
E trazes dor absoluta
Foram negócios, pobre senhora
Nem te peço o teu perdão
Pois por motivos tão fúteis
Rasguei-lhe, à faca, o coração
Escuteis aqui, senhor
Pois bem sei que vais mentindo
Não sobre meu amor morto
Mas sobre a culpa estais fingindo
Foi aquele advogado
Que há tempos o seguia
Por não pagar-nos o pouco
Do dinheiro que devia
Tomou-nos muito emprestado
Nem precisava devolver
Se tivéssemos o suficiente
Para, os dois, sobreviver.
Oh! Meu belo e jovem Tinho
Há pouco ouvi de tua morte
E já sofro, pois já não tenho
O teu cuidado que me conforte.
Sofro como se sempre
Tivesse perdido a ti
De nada valeram todos
Os solitários dias que eu vivi.
E ainda muito viverei
Pois sou uma jovem mulher viúva
Minhas lagrimas não pararão
Como numa eterna chuva.
Não haverá ninguém que cante
Como tu cantaste a mim
Meu viver será só choro
Um solitário choro sem fim.
E se eu enlouquecer
Quem me vai acompanhar
Sem companhia prantearei
Acompanhada irei chorar
Senhor escutes, eu te peço
Tu não precisas assim me ver
Certamente há quem te espera
De saudades a enfraquecer
Esperando desespera
Pelo teu retroceder.
Pois não pode uma mulher
Sofrer o que agora sinto
Eu te imploro, volte a ela
De-lha algo mais distinto.
Agora, pois vá embora
E não voltes mais aqui
Pois o que agora sofro
Não desejo para ti.
E foi assim, ó meritíssimo
Que decidi dar-te a verdade
Pois a moça que agora sofre
Tem a minha piedade.
E, confesso, agora amo
Como há muito não amava
Não como amei a Lucia
Mas como eu a gostava
Preciso agora, meu senhor
Cuidar-lhe bem, e dar-lhe abrigo
Pois nunca mais achei que ia
Ter alguém aqui (ou assim) comigo.
Quanto ao homem morto eu digo
Que jamais faria nada
A um homem que nem conheço
E ferir sua pobre amada
Com a dor e o sofrimento
Que vivi por tantos anos.
Deixe-me ir isento
Tenho agora novos planos
Vou vender a minha casa
E morar com onde ela mora
Vou deixar pra trás o medo
E viver com ela agora.
Não digo que não vou chorar
Nem que não enlouquecerei
Mas quando ela precisar
Ao seu lado eu estarei
Caso eu me esqueça ou você não consiga entender:
Um homem mora solitário em uma casa. Alguém entra em sua casa e tenta forjar um crime porque matou um homem. Só que o homem acorda e pensa que é uma das suas constantes alucinações. O outro, quando entende, tenta fazê-lo acreditar que é mesmo e que ele foi o autor do crime. Só que o homem descobre a armação e mata o enganador. Começa, então, a lembrar sua história e como foi parar tão só naquela casa, numa situação entre a loucura e a solidão. Chega à conclusão de que assumir o crime e cumprir a pena pode dar-lhe algum sentido à sua vida e seu sofrimento e, quem sabe, até amenizar sua solidão. Ele decide assumir a culpa, mas reflete na dor que sofrem as pessoas que amam quem morre e resolve avisar a mulher do falecido. Ela descobre que não foi ele que matou seu marido e ele se apaixona por ela e tentam, então, provar a sua inocência para permitir que eles se unam e vivam juntos em vez de se corroerem até a morte pela saudade daqueles que amaram.
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